Corriam os anos 70 e a fábrica da Compensa, que daria nome ao bairro super populoso anos depois, era como a salvação da lavoura, já que quase todos os moradores do Santo Antônio foram trabalhar lá. O diretor da empresa era o todo-poderoso Luiz Aguiar e sêo Marivaldo era o capataz, que tomava de conta da multidão de peões.
O cheiro de madeira e cola empestava o ar e o odor do louro-bosta obrigava os trabalhadores a colocarem lenços molhados no nariz. Foi quando ele apareceu, isto antes do grande incêndio que quase acabou com a fábrica, levando muitos intoxicados pela fumaça para o Sandu e o Cardoso Fontes.
Ele era branco, alto, usava um chapéu de palhinha preto, roupas e sapatos pretos e foi apresentado como diretor-adjunto. Seu nome era Glenn Walker, da África do Sul, que veio a convite da família Sabbá.
Calado, ele sempre dava as ordens por escrito, estava de luto pela mulher que morrera há dois anos. Conta sêo Zé Paulo, que trabalhou diretamente com ele, que ele sempre levava junto uma valise média de viagem, de couro, e de vez em quando ele abria o fecho ecler, dava umas olhadas dentro e depois fechava.
Todo mundo reparou mas ninguém perguntava nada, pois ele era muito estranho. Um dia ele está na beira do rio inspecionando as toras de madeira que chegavam e pediu para Zé Paulo ir pegar uma régua de alumínio no escritório. Zé Paulo está quase centenário, mas lembra tudo muito bem.
“A primeira coisa que fiz foi correr na valise e olhei o que tinha dentro. Fiquei paralisado. Dentro havia uma boneca feita de madeira branca, polida, de uns 50 centímetros, parecendo porcelana.Cabelos expressivos e os olhos muito vivos, profundos, como se estivessem vivos, me fitando. Toquei nela para me certificar que era de madeira mesmo e fui embora, com um arrepio na nuca”.
À noite, Zé Paulo teve o sonho estremecido por pesadelos, vendo a boneca vir na direção dele e acordava suado, febril, e com zumbidos no cérebro. Os dias foram passando e Glenn cada vez ficava mais magro, com as calças e camisas de mescla cada vez mais sobrando nele.
Sua aparência começou a melhorar quando ele conheceu uma moça que morava perto da Feira das Índias, e foi trabalhar na linha de montagem. Ele mudou à olhos vistos, tirou a roupa preta e trocou por outras coloridas e era visto frequentemente, no Bar Manda Brasa, última estação dos ônibus da Viação Ana Cássia e depois Soltur. A peonada falava até que ele estava querendo casar com a Dorotéia, a morena de olhos verdes que o conquistara.
Um dia, ele não apareceu para trabalhar. A mulher que fazia limpeza na casa dele, onde hoje é o conjunto dos Bancários, chegou correndo na fábrica, gritando que ele precisava de ajuda, pois havia uma mulher com ele no quarto e eles estavam brigando. “Ela está avançando em cima dele e ele só diz para ela não fazer aquilo, que ele não vai casar de novo com a Dorotéia, que foi tudo um mal entendido”, contou a mulher.
Dr. Luiz Aguiar chamou alguns peões e foram até lá. Ao chegarem, ouviram a discussão: As vozes exaltadas eram ouvidas, com a voz da mulher bem baixo, até que Glenn deu grito aterrorizante e Luiz Aguiar mandou arrombar a porta.
Ao entrarem, Glenn estava jogado no chão, com o pescoço quebrado, a mala aberta jogada em cima da cama e a boneca sentada, na cabeceira da cama. Segundo Zé Paulo, que foi o único que viu a boneca antes do acontecido, ela era séria, com uma cara quase raivosa, mas ali a boneca estava com um sorriso diabólico no rosto.
Claro que ninguém acreditou em Zé Paulo, mesmo quando a mulher que fazia a limpeza disse que ele falou que o nome da falecida mulher dele era Anabel, que de trás pra frente lê-se Lebana. A boneca foi levada para o escritório junto com o corpo dele, que seria enterrado no dia seguinte, mas não foi possível, pois na mesma noite teve o grande incêndio cujas chamas lamberam o escritório dele e incineraram tudo, inclusive a boneca.