Meu nome é Mônica e sempre tive o sonho de ser mãe, mas como sou estéril nunca pude realizá-lo e dar essa alegria para meu marido Elpídio. Morávamos no bairro da Compensa até meu marido pedir a separação e virar nossa vida de cabeça para baixo. Hoje moro em Urucará, cidade onde nasci. Resolvi escrever meu depoimento depois de ter passado por um tratamento psiquiátrico com medicamentos tarja-preta por muitos anos, para mostrar que uma mãe ama um filho, mas um pai também ama, às vezes até muito mais, fazendo esse amor virar loucura.
Minha triste sina começou em 1990, quando depois de muito tratamento médico, consegui engravidar e dar à luz uma linda menina, um anjo. Minha filha puxou à família do meu marido, com lindos olhos azuis e cabelos ruivos. Nossa vida virou um paraíso, pois meu marido nunca admitiu que tinha essa frustração por não gerar descendência, mas sempre desconversava quando eu falava em adotar uma criança para completar nossa família.
Cíntia, nossa filha cresceu saudável, até o momento em que aos quatro anos, da noite para o dia, pegou uma febre reumática que a levou para a UTI e de lá para a morte. Meu marido pediu para embalsamá-la embora eu não quisesse, pois mesmo morta, não queria que minha menininha passasse por todo o processo clínico, que consiste em abrir o peito da pessoa em T, retirar todas as entranhas, preencher com algodão, costurar como se costura um saco de estopa e depois fazer dois cortes profundos em cada coxa, enfiar uma cânula e depositar formol nas veias. Mesmo sabendo que minha filhinha não sentiria mais nada, não queria, mas o Elpídio insistiu tanto que terminei cedendo.
Após o enterro, ele me pediu um tempo pois disse que a vida tinha acabado para ele. Resumindo: terminamos nos separando. Ele foi morar em outro bairro e eu não tive mais notícias dele. As semanas se transformaram em dias e os dias em anos, até que minha filha transformou-se em uma lembrança doída, mas não como antes. Casei de novo e tive outra filha. Um dia a polícia chegou na minha casa dizendo que eu tinhs que ir urgente para Manaus, pois uma chuva muito forte tinha feito desmoronar uma parte do cemitério de Santa Helena, onde minha filha estava enterrada e vários caixões estavam aparecendo, alguns apodrecidos mas o da minha filha estava aberto, só que o corpo dela não estava dentro e não encontraram meu ex-marido.
Fui para Manaus e foi iniciada uma investigação, até que suspeitaram que meu ex-marido, não suportando a perda, tinha ido no cemitério, desenterrado o cadáver da nossa filha e levado embora. Aí tudo fez sentido para mim: por isso ele pediu a separação pois sabia que eu não aceitaria aquilo. Depois de muita investigação, conseguiram localizá-lo. Ele estava morando em um sítio depois da barreira do bairro Santa Etelvina e vivia trancado. Os vizinhos o chamavam de louco pois ele conversava sozinho como se falasse com uma criança, inclusive comprava roupas de criança, mas todos sabiam que ele morava sozinho. Disseram que ele lavava os vestidinhos e colocava no varal para secar e levava para o jirau atrás da casa, mamadeiras sujas de mingau para lavar.
Quando a polícia o encontrou, ele estava totalmente louco, dizendo que a filha dele estava viva e que ninguém iria tirá-la dele. A polícia encontrou o cadáver da menina escondido dentro do guarda-roupas. Com muito esforço os policiais conseguiram dominá-lo e o levaram para o hospício que funcionava na Constantino Nery. Ao ser levado em uma camisa de força, ele olhou dentro dos meus olhos e falou: “Pelo amor de Deus, não deixem enterrarem nossa filha. Acredite em mim, ela está viva!”
Senti pena dele ao ver até onde a loucura e o amor pela filha o tinham levado e comecei a chorar. Passado o impacto, a psicóloga da polícia disse que era melhor cremarmos o corpo mumificado da minha filhinha pois havia o risco dele fugir e desenterrá-la de novo. Concordei. No dia marcado fui lá e vi, com tristeza, quando eles puxaram uma forma grande, colocaram o cadáver da minha menina e empurraram devagar para dentro das chamas do crematório. Quando o crematório foi fechado, ouvimos os gritos da minha filha. Uns correram com medo e um funcionário que ficou puxou a gaveta e eu vi minha filha se debatendo lá dentro e gritando: “Mamãe você me matou queimada! Por que, mamãe? Por que?”.