Era uma noite sem lua quando decidimos acampar na praia. A idéia tinha sido do Zequinha, como sempre. O resto do grupo: Lucia, André, Clara e eu, fomos mais pela promessa de uma noite diferente do que pelo verdadeiro entusiasmo. Algo no ar estava estranho desde que chegamos à Barcelos, mas atribuímos isso ao cansaço e às cervejas.
Meu nome é Jelciney, moro na Cidade Nova e este fato aconteceu ano passado, quando saímos para acampar em Barcelos, durante o Festival do Peixe Ornamental.
O vento morno da noite, obrigava-nos a ficar perto da fogueira, que clareava fracamente, projetando sombras retorcidas na areia. Ao nosso redor, o banzeiro quebrava com violência incomum, como se algo perturbasse as águas escuras do Rio Negro, nas profundezas.
- Ouviram isto? – perguntou Lucia de repente, quebrando o silêncio que havia caído entre nós.
Ficamos todos quietos, ouvindo. O som das ondas parecia normal, mas após alguns segundos, um murmúrio mal perceptível veio da escuridão, algo que o vento parecia arrastar do rio.
- É só o vento – disse Clara, nervosa, abraçando-se a si mesma. Este lugar é assustador.
Vamos, não seja medrosa – disse eu, rindo para esconder o desconforto. Estamos só nós aqui nesta praia. Não há mais ninguém aqui.
Decidimos ignorar o barulho estranho e nos dedicamos a conversar sobre histórias absurdas que tínhamos lido ou visto em filmes de terror. Tudo estava indo bem até que André, que estava sentado de costas para o rio, ficou olhando algo no meu ombro.
- Ei… O que é isso? – sussurrou.
Todos nós viramos para onde ele olhava, para a margem. No início, não vimos nada além da das ondas iluminada pela fraca luz da fogueira. Mas então, entre o vaivém da água, nós vimos.
Uma sombra alongada emergiu da água. A primeira coisa que distinguimos foi o que pareciam ser braços longos e finos, mas não eram humanos. Eram muito longos, desproporcionais. A coisa começou a rastejar lentamente para a costa, sua silhueta escura contrastando com a espuma branca das ondas.
- Meu Deus! – gritou Lucia, levantando-se de um salto, o terror em seu rosto tão palpável quanto o frio da noite.
Nenhum de nós se mexeu. O medo mantinha-nos pregados no local, observando aquela criatura, o que quer que fosse, rastejava cada vez mais perto. A cada onda, ela parecia ficar maior, mais definida. Seu corpo estava coberto de uma substância viscosa, algo entre pele e algas, e quando levantou a cabeça, pudemos ver dois olhos vazios, negros como o abismo.
- Temos que ir… – sussurrei, embora não pudesse me mexer.
A criatura emitiu um som, um grunhido baixo que parecia misturado com o rugido das águas. Foi nesse momento que Clara quebrou o feitiço e saiu correndo para o outro lado da praia onde estava o rabetão, arrastando Lucia com ela. André e eu não pensaram duas vezes e tentamos correr, mas eu não conseguia me mexer.
Meus pés estavam pregados na areia, como se algo invisível me segurasse. A criatura aproximava-se, e a cada passo, o ar ao meu redor ficava mais denso, mais frio. Senti que o coração explodiria no meu peito. E então, algo mais aconteceu.
Um sussurro, apenas um murmúrio, chegou aos meus ouvidos desde as profundezas do rio. Uma voz desconhecida, distante e assustadora que dizia uma só palavra:
- Vem!
Minhas pernas se soltaram e eu caí de joelhos, lutando para tirar o olhar daqueles olhos vazios. As águas batiam na areia com mais força, como se algo no rio se agitasse, esperando. O sussurro estava se repetindo, cada vez mais alto.
- Vem…Vem comigo…
Foi o Zequinha quem me salvou. Ele me levantou do chão e me arrastou para o rabeta, onde os outros já estavam esperando, aterrorizados. Mal ligamos o rabeta, algo bateu na canoa. A criatura estava mesmo ali, rio, à nossa frente, observando.
Zequinha ligou o motor com as mãos tremendo, e saímos em direção à cidade; olhei pela última vez para a praia. A criatura, imóvel agora, observava-nos, seus olhos brilhando com malícia sob a luz da lua que finalmente havia nascido.
Nunca mais falamos sobre aquela noite, mas todos sabemos o que vimos. E o pior de tudo é que, desde então, nos momentos de maior silêncio, quando me aproximo da água… Ainda consigo ouvir esse sussurro.
“Vem!”.
Jelciney