Me chamo Alice, tenho 46 anos e moro no bairro de Petrópolis já há uns 15 anos. Antes morava no bairro de São Raimundo. Minha história é a seguinte: sou a caçula de três irmãos e perdi minha mãe muito cedo, na verdade ela morreu por complicações no parto ao dar-me à luz. Ela teve eclâmpsia na hora que eu estava nascendo e os médicos tiveram que decidir entre me salvar ou salvar a vida de mamãe.
Não é necessário dizer que carreguei essa culpa por boa parte da minha vida, embora papai sempre tentasse tirar isso da minha cabeça, dizendo que se houvesse chance dela ser salva, os médicos a teriam salvado, pois nesses casos eles optam por quem tem maior chance de sobrevivência.
Mesmo assim carreguei essa culpa. O tempo passou, eu cresci e minhas feridas sararam um pouco. Casei e quase esqueci o trauma. Meu pai casou de novo e seguiu a vida dele. Um dia, estávamos sem dinheiro e alguém chegou e fez uma oferta para comprar a sepultura da mamãe – ela está enterrada no Cemitério de Santa Helena, em São Raimundo.
Papai nos procurou e disse que faríamos a transferência dos ossos da mamãe (se ainda houve ossos pois já fazem quarenta e seis anos desde que ela morreu) para o Cemitério Parque Tarumã e o dinheiro seria dividido entre ele e meus irmãos: era R$ 30 mil.
Pensamos e decidimos vender. Meu marido trabalha e eu também e instalamos várias câmeras pela casa pois temos uma filha pequena e mesmo ela tendo uma babá, preferimos não arriscar. Ele também tem umas fantasias de casal e instalou uma câmera em nosso quarto.
Dois dias antes da venda, fomos ver as gravações: todas estavam lá, desde eu arrumando os lençóis até às brincadeiras que ele fazia, de salpicar água nas minhas costas…
No final, havia uma imagem. Não como as outras, mas muito antiga, como se tivesse sido gravada há muitos anos. Na imagem estava eu deitada, ainda criança e a imagem etérea da mamãe, me acariciando.
Caí as prantos e entendi aquilo como um sinal de que não era para vender a sepultura e, mais ainda, que mamãe nunca me culpou pela morte dela e esteve do meu lado, não sei como, durante toda minha adolescência e agora, como adulta.