Meu nome é Renato Lopes, moro em Manaus há vinte anos, no bairro União da Vitória, perto da Barreira, mas sou de Rio Preto da Eva e o que vou contar aconteceu lá onde nasci, na época da Quaresma.
Mesmo com toda a tecnologia, quem é do interior, sabe que quem é católico e vive de acordo com os ensinamentos bíblicos de sua crença, respeita muito a época da Semana Santa e da Quaresma, que é a que estamos vivendo agora. Época em que, segundo os antigos, o diabo e seus asseclas circulam livremente por aí. Abrem-se portais para que fiquem vagando “com permissão”.
O que vou contar agora, se passou com meu avô que já não mais está entre nós há tempos e eu tinha cerca de 13 anos.Meu avô era um homem maravilhoso, ótimo pai de família e o avô mais doce e querido da face da Terra. Era um caboclo forte e saudável. Cuidava de sua roça e adorava pescar e caçar com os amigos. Gostava também de tomar uns “gorós”.
Na Semana Santa, em plena sexta feira de lua cheia, ele resolveu que iam sair para caçar debaixo de muita bronca, reclamação e avisos de minha avó, bisavó e vizinhos, que pediam para que ele não fosse, pois era Sexta Feira Santa.
Lógico que ele não deu ouvidos, pois como dizia, seu pai tinha sido cangaceiro de Lampião, de quem ele tinha herdado a valentia e a coragem.Todo valentão, pegou sua Winchester Papo-Amarelo, seus apetrechos de caça e se embrenhou na mata escura, clareada somente pela luz da lua.
Na mata, segundo contou após ser encontrado, permaneceu de tocaia atrás de uns arbustos. Passado algum tempo, ouviu um barulho e preparou-se com a Winchester em punho. Apareceu mais adiante a alguns metros, um veado roxo, enorme e muito bonito. Meu avô disse que nunca vira um animal tão robusto e grande como aquele.
Vagarosamente ele mirou na cabeça do bicho e atirou. O veado ficou parado encarando-o.Vovô disse que estranhou, pois tinha certeza que tinha acertado o tiro e, mesmo se tivesse errado, o veado, com o barulho do estampido do tiro, se assustaria e fugiria. Ele disse que preparou a arma, novamente mirou e viu que o bicho chegava mais para perto dele. Disparou outro tiro e nada do bicho cair.
O animal raspava suas patas dianteiras no chão, como um touro bravo faz para avançar e cada vez mais se aproximava do vovô. Este, já estava apavorado, pois percebeu que aquilo não era normal, então começou a correr. Só ouvia o trotar do veado atrás dele. E daí ele não lembra mais de nada.
Meu avô foi encontrado pelos amigos no outro dia todo machucado como se tivesse levado uma surra e sua Winchester nunca foi encontrada. Ao ser levado para casa, ouviu por dias o sermão de minha avó e bisavó dizendo que aquilo havia sido uma lição, um castigo por ele ter desrespeitado a Sexta Feira Santa.