Leitores amigos do Maskate, sou a Edna Bulcão e moro na Compensa, mas o que vou contar aqui é algo que me aconteceu quando eu morava em Santa Isabel do Rio Negro, algo que ultrapassa qualquer explicação lógica. Algo que me marcou para sempre…e que até hoje me faz chorar – não de tristeza, mas de amor profundo.
Essa história é real. E sei que muitos aqui vão sentir o que eu senti. Porque há encontros que a morte não consegue impedir. Minha avó, Dona Nair, sempre foi meu porto seguro. Forte, doce, cheia de fé. E ela dizia, desde que soube da minha gravidez: “Ainda vou segurar essa menininha nos braços, nem que seja por um instante só…”
Mas a vida, ou melhor, o destino, parecia ter outros planos. Vovó partiu de forma repentina, numa tarde fria, quando eu estava grávida de cinco meses. Foi um golpe duro, daqueles que a alma leva tempo pra entender. Ela não chegou a ver minha filha nascer. Dias se passaram. Meses. E, enfim, veio o dia mais esperado e ao mesmo tempo mais doloroso: minha filha, Isadora, nasceu. Linda, saudável… mas com um vazio no ar. O vazio da ausência da minha avó, que tanto esperou por aquele momento.
Na noite em que deixei o hospital, com Isadora nos braços, aconteceu algo que mudaria tudo. Naquela madrugada, tive um sonho. Mas não era um sonho qualquer. Era como atravessar uma névoa silenciosa e chegar a um lugar fora do tempo. Vi-me entrando numa casa antiga, com janelas abertas para um céu estrelado. Lá dentro, havia vozes, risos distantes, uma reunião familiar. Gente conhecida – tias, primos, rostos que o tempo tinha embaçado. Mas todos pareciam…longe. Como se estivessem presos em um eco. E então, eu a vi. Minha avó. De pé, parada perto de uma poltrona vermelha. Com o mesmo vestido azul que usou no batizado da minha irmã. Seu rosto estava calmo, os cabelos presos com a mesma presilha de madrepérola.
Ela me olhava com ternura. Não havia tristeza em seus olhos. Só paz… e uma luz suave que parecia vir de dentro dela. Me aproximei, tremendo. Ela estendeu a mão, tocou meu rosto com um carinho que parecia atravessar o próprio tempo. E então, olhou para Isadora, que dormia em meus braços dentro do sonho. Foi um olhar demorado. Profundo. Como se ela estivesse memorizando cada traço do rosto da bisneta que tanto desejou conhecer. Como se aquele instante valesse mais do que mil vidas. Ela não disse uma só palavra. Mas eu entendi tudo. Naquele instante, elas se encontraram. No sonho…ninguém mais parecia vê-la. Apenas eu. Era como se o mundo tivesse parado por alguns segundos só para aquele encontro acontecer.
Ela tirou a presilha da cabeça e colocou nos cabelos da minha filha. Acordei em lágrimas. Mas não era tristeza. Era um alívio, uma gratidão tão grande que doía no peito. Desde então, todas as noites em que vejo minha filha dormir tranquila, eu sinto. Ela tem uma guardiã. Uma estrela que brilha só pra ela. E eu sei, com cada parte da minha alma: Minha avó conheceu minha filha…mesmo que tenha sido além do véu. De manhã, mamãe entrou no meu quarto toda alegre…dizendo que tinha encontrado a presilha da vovó que tinha sido perdida há tempos.