Meu nome é Gustavo Alebrandt, sou gaúcho, engenheiro mecânico e o fato que passo a narrar, aconteceu em Manaus, mais precisamente no Iranduba, quando fui como turista, com alguns amigos, conhecer os encantos da Amazônia. Faz exatamente um ano que deixei o mundo como o conhecia – e voltei diferente. Não me refiro à cura, à recuperação ou à dor. Refiro-me à travessia. Àquilo que ninguém explica, mas que alguns, por mistério do destino, vivem para contar.
Tudo começou no dia 4 de maio, quando partimos de férias para o Iranduba, mais precisamente, na região do Paricatuba. Fui com alguns amigos acampar e desbravar a natureza. Eu já vinha me sentindo estranho havia semanas. Febre baixa que vinha e ia, uma exaustão que não combinava com o meu corpo… e um silêncio interno que não sabia decifrar. Mesmo assim, seguimos viagem.
No primeiro dia parecia carregar o peso do mundo nas costas. No dia seguinte, fui à praia com os amigos mas à tarde… desmaiei na varanda do restaurante. Lembro do susto nos olhos do garçom e do grito abafado das pessoas. À noite, já na barraca, olhei para fora e vi uma ilha, mas não existia ilha naquele local, mas ela estava lá. Eu via as pessoas como sombras, dançando à luz das fogueiras, o barulho da música cigana, mulheres com saias longas e coloridas. Chamei meus amigos mas eles não viram nada. Pensaram que eu estava fazendo uma pegadinha com eles, mas se calaram quando viram meus olhos alucinados e febris, olhando para a Ilha. A partir daí, tudo começou a escurecer. Vomitava tudo o que comia, a febre subia como labaredas e meu corpo já não respondia.
No dia seguinte, já quase sem andar, fui levada ao posto de saúde. Não adiantou. No outro dia, me levaram para um hospital em Manaus. Fui atendido por um médico estranho, que me olhou de uma forma que nunca vou esquecer. Ele não olhava apenas para meu corpo – ele parecia enxergar minha alma. Exames urgentes revelaram que minhas plaquetas estavam perigosamente baixas. Fui imediatamente transferido para a UTI. A partir dali, minha lembrança é como uma vidraça embaçada por dentro. Lembro de luzes brancas que se dobravam sobre mim como serpentes, de vozes que sussurravam coisas que ninguém mais parecia ouvir. Lembro de ver vultos caminhando pelas paredes, e do som de sinos tocando dentro da minha cabeça. Alucinações – foi o que disseram depois. Mas aquilo não era só delírio. Eu sabia que via o que via. Eu sabia que algo ali estava me esperando. Meu corpo começou a falhar. Oxigênio, máquinas, punções constantes. Meus braços ficaram roxos, minha urina era escura como barro e os valores do sangue indicavam que algo dentro de mim estava se desfazendo.
Toquei o invisível

Naquele instante, entre um delírio e outro, vi uma mulher de véu branco sentada ao pé da minha cama. Ela não dizia nada. Apenas olhava. Eu sentia que ela sabia algo que ninguém mais sabia. Em sua presença, o tempo parava. O ruído dos aparelhos sumia. O medo se dissolvia. Ela estendeu a mão para mim, mas antes que eu a tocasse, uma voz ecoou na sala: “Ainda não.”Acordei subitamente, ofegante, com o rosto encharcado. Ao lado, o médico murmurava:- Ele voltou. Voltei.
Mas algo ficou lá. Parte de mim. Parte que entendeu que há mais do que olhos humanos podem ver. Desde então, nunca mais fui a mesmo. Nunca mais ouvi os mesmos sons, nem vi as mesmas cores da mesma forma. Porque fui tocada pelo invisível. E sei que há portas que só se abrem quando estamos entre o aqui e o além.Escrevo isso porque quero lembrar. Porque estou vivo. Porque naquele leito, em meio à dor, o que mais me doía era pensar: Será que eu disse o suficiente? Será que meus filhos sabiam o quanto os amava? Será que minha mulher sabia que ela era minha âncora? Hoje, um ano depois, meu coração pulsa com outra força. A força de quem esteve no limiar e voltou para terminar de dizer o que importa.Se você está lendo isso, por favor…não deixe nada por dizer.
A vida é um fio tênue. E às vezes, a Dama do Véu Branco passa por nós sem que a vejamos. Mas ela volta.E quando voltar, que você não precise implorar por mais tempo para amar