Meu nome é Sildomar, mas sou conhecido por Sildo. Moro em uma área da Praia do Tupé e sempre vou em Manaus, na casa de amigos no Armando Mendes. Gosto de tomar cachaça com limão e bater uma viola. Num domingo, em janeiro, fomos para a Ponta das Lajes, na Colônia Antônio Aleixo, comer churrasco e tomar caipirinha e voltamos já de noite.
No caminho, subindo pelo Porto do Janjão, encontramos uma oferenda em uma encruzilhada. A oferenda consistia de um prato de papelão de tamanho médio, contendo arroz com lentilhas e tiras de cebola frita; três fatias enroladas de presunto defumado e farofa de ovo. Tudo isso acompanhado de um copo de papelão com cachaça.
Vou já tomar – disse eu – no que fui repreendido pelos meus amigos. “Rapaz”, disse o Fábio Malária, ” isso é oferenda para Exu, tu vai ficar amaldiçoado e depois vai ter que bater cabeça pra Dom José”, disse ele, referindo-se ao sêo Zé Pelintra, para quem a oferenda foi feita.
Não quis nem saber, parei ao lado do prato e comi todinho o conteúdo, depois bebi toda a cachaça e nem dei uma dose para o santo. Fomos embora e nada aconteceu. Mas na terça-feira começaram os calafrios nas minhas costas, seguidas de um suadouro e vômito. Me levaram em uma UBS e não era nada, mesmo assim minha situação foi piorando até me levarem em um terreiro, lá mesmo no Armando Mendes.
Lá, uma entidade conhecida por Dona Braba disse que eu tinha que fazer oferenda para outro Exu, para cortar a maldição, mas teria que ser com uma galinha viva. Assim fizemos. Na hora que o babalorixá pegou a galinha e arrancou a cabeça dela, a galinha saiu correndo viva, sem cabeça, pelo terreiro, varou as cercas da Seara e entrou em uma área de mato, atrás do terreiro.
Sabemos que as galinhas continuam correndo mesmo depois de terem a cabeça arrancada, por causa dos impulsos nervosos de centros autônomos do animal, parecido com a luz de led do notebook que vai se apagando aos poucos, mesmo depois de desligado, porque há energia acumulada nos capacitores, chamado impulso galvânico. Aliás, o efeito galvânico foi descoberto associando o reflexo de nervos de rãs numa solução salina eletrificada. As pernas das rãs mortas, ou fora de seu corpo, se moviam sob o efeito de um impulso elétrico.
A morte não é instantânea em todo o corpo e para alguns membros, cuidados e refrigerados a tempo, demoram anos até morrer. Mas com aquela galinha aconteceu algo diferente, pois ela não voltou do mato.
Fomos embora e eu voltei para o Tupé. Os calafrios passaram mas algo pior estaria por vir: comecei a ter pesadelos com a tal galinha até o dia 7 de setembro agora, quando eu acordei do pesadelo e escutei asas batendo no meu quintal.
Como minha vizinha cria galinha, não me preocupei e pensei que alguma galinha dela tivesse fugido do galinheiro, mas lembrei que galinhas não saem à noite. Olhei pela brecha da janela e a vi, a mesma galinha sem cabeça em pé no quintal, com a frente do corpo virado para minha direção, como se estivesse me observando, se tivesse cabeça.
Nessa hora os calafrios voltaram e uma força invisível me jogou no chão e eu senti que a galinha pulou e sentou na minha janela. Me peguei com tudo que era santo até que ela foi embora. Mas não parou por aí: pela manhã, minha vizinha estava em alvoroço, porque todas as galinhas dela estavam mortas, com as cabeça arrancadas.
Isso vem acontecendo todas as noites e eu nem tenho par quem contar, e mesmo que contasse ninguém acreditaria. Estou escrevendo este relato na esperança que alguém já tenha visto algo assim acontecer e me ajude, pois sei que fui amaldiçoado e vou morrer. Estou definhando, perdi mais de 10 quilos pois tudo que eu como vem pra fora. Alguém me ajude que eu não sei mais o que fazer.
Sildo