Bom dia. Meu nome é José da Conceição Santos, sou paraense e tenho um pequeno barco de onde tirou meu sustento, pois trabalho como regatão por esse beiradão afora, desde os meus 23 anos. Hoje tenho 63. Vou relatar o que ouvi sobre a Ilha do Marapatá. A ilha de Marapatá é um acidente geográfico situado em frente de Manaus. Sua condição de ser submersa durante o período da enchente, trouxe-lhe diversas lendas. Quem sobe o rio Negro, saindo de Manaus, à margem esquerda, logo acima do Encontro das Águas, tem a oportunidade de observar a ilha do Marapatá, separada da terra firme por um profundo e estreito canal.
Na sua parte voltada para o leito principal, é flanqueada por um verdadeiro abismo, onde o sonar assinalou uma fossa de mais de cem metros de profundidade, indicando uma altitude negativa de dezenas de metros abaixo do nível do mar.
É uma característica ilha de várzea de rio de água negra, indo ao fundo todos os anos, durante a enchente, nela desenvolvendo-se uma floresta de igapó, de cor verde azulada, idêntica a de outras ilhas do mesmo tipo, existentes no rio Negro, como a dos Cachorros, a do Camaleão, e as incontáveis Anavilhanas, na baía do Boiaçu, mas diferente do verde claro da mata de igapó das ilhas dos rios de água barrenta.
Em todas as minhas passagens por ela, sempre ao largo, tenho recolhido interessantes relatos, contados pelos ribeirinhos sobre a aura mágica que a envolve. Uns citam as suas constantes mudanças de lugar. Outros informam, ali, existir um lago onde mora a velha Cobra Grande, Muitos já viram o Caboclo D’Água e sereias mergulhando junto com os botos, enfim, todos concordam ser ela um acidente geográfico encantado.
Mas a história mais interessante que ouvi foi a do pássaro Congoriá. Dona Neide, mulher do sêo Raimundo Bonfim do Nascimento, um arigó forte e grande como um gorila, trabalhava na extinta ACAR-Amazonia, ensinando como cortar de motosserra em uma época em que era permitido derrubar quanta árvore que se quisesse.
Ele me disse que o pai dele, chamado Firmino, um velho quase centenário, saiu uma vez para pescar jandiá, mas voltou de manhã sem nada, somente com um pássaro muito estranho, desconhecido por todos. Ele me contou que ninguém queria comer o pássaro, negro das penas reluzentes.
Escabriados, ninguém quis depenar a ave, ficando para o velho Firmino a tarefa. Ao terminar o trabalho, sêo Feminino jogou o pássaro na água quente, e para espanto de todos , o pássaro começou a cantar.
Bonfim me disse que o pássaro cantava assim: “não me mate agora não, Congoriá. Deixa eu falar primeiro, Congoriá”. Nessa hora, todo mundo saiu correndo do flutuante, uns pulando na água, outros pegando as canoas e dando no pé, ficando só sêo Firmino com o pássaro, que foi se erguendo da panela, ficando em pé como um ser humano e passou a crescer, abrindo os dois braços. Aterrorizaeo, sêo Feminino pegou a panela para jogar na água.
Na pressa, sêo Firmino tropeçou em um tamborete e caiu com a panela, espalhando as faíscas pelo chão, tocando fogo no flutuante que era coberto de palha e espalhando as faíscas para a vegetação seca dos arredores, causando o maior incêndio já registrado na história da ilha.
Depois do incêndio, muita gente se mudou de lá; algumas pessoas morreram, outras têm queimaduras nos braços e pernas até hoje. O certo é que os moradores que ficaram vivem assombrados, pois o pássaro aparece cantando nos telhados, igual a uma Rasga-Mortalha, e sempre morre alguém no outro dia, quando ele aparece.
Estou esperando o rio Negro encher que vou voltar lá, pois me disseram que até homens metade humano, metade humano estão aparecendo nas noites de luar, que dá para sentir o cheiro do pitiú de longe.