Meu nome é Cirilo, moro em Petrópolis mas morei até o mês passado no Xiborena, perto de Manaus, uma terra de muitos peixes, fartura, muito verde, enfim um bom lugar para se passar a infância; se chega lá pela Ceasa. Cresci com as brincadeiras de menino, vários amigos filhos de vizinhos e a Natale. Ah!, a Natale. Era meu sonho de infância. Filha de paranaenses que foram para lá trabalhar com agricultura, era linda, bochechas rosadas e cabelos ruivos. Eu, caboquinho, era e sou o típico amazonense, mas ela se encantou com a minha cor de cerol.
Nas brincadeiras e sonhos de crianças, prometemos que casaríamos quando crescêssemos Eu tinha 9 anos e ela oito, mas eu, saliente que só, já sabia de muita coisa, brechando minha irmã namorando na casa de farinha, escondida de papai. Minha vida era um sonho até que aconteceu a tragédia: uma tarde fomos pular no rio e deu cãimbra nas duas pernas dela, e eu a vi se debatendo e afundando no banzeiro. Pulei atrás dela, mas o banzeiro era muito forte e ela afundou.
O Corpo de Bombeiros foi de Manaus para lá, fizeram buscas, mergulharam, mas nada. Meu sonho de infância virou pesadelo. Desistiram achando que a piraíba ou as piranhas as tinham devorado. O tempo passou, eu cresci, casei com a Dilce e hoje tenho 40 anos, mas nunca esqueci Natale. Tudo corria normal, até que a seca deste ano deixou o leito do rio de fora e uma manhã, várias pessoas gritaram no meio do leito do rio pois tinham achado um corpo enterrado na lama: era ela. Continuava com os mesmos 7 anos de quando afundou, o mesmo short de florzinhas, o mesmo cabelo ruivo encaracolado, as mesmas bochechas rosadas, os mesmos lábios vermelhos.
As lágrimas banharam meu rosto e saí de lá soluçando. Entrei em casa como um robô, ou melhor um morto-vivo, sem dar atenção para uma estranha chamada Dilce, que me perguntava o que tinha acontecido. Me separei e vim para Manaus, pra tentar sobreviver. Hoje minha vida se resume a dormir todas as noites bêbado chamando por Natale, esperando a morte chegar e acabar com meu sofrimento.