Na mais recente sessão do teatro político amazonense, nossos três senadores subiram ao palco para encenar a peça “Lula e Marina contra a BR-319”
O enredo é previsível, os papéis decorados, e o público já sabe quando virá o gesto grandiloquente, a fala pausada e o dedo em riste. O que poucos percebem é que a peça foi encomendada — e paga — pelo velho patrocínio do conflito fabricado.
Omar Aziz e Eduardo Braga não são coadjuvantes de oposição. São atores centrais da base aliada, com acesso direto à sala de roteiro onde se escrevem as cenas da política nacional. Chamá-los de rebeldes é como vender novela repetida como se fosse série inédita: pura estratégia de audiência. Mas funciona — ao menos para quem ainda acredita que Brasília acorda de manhã decidida a isolar o Amazonas.

O BODE EXPIATÓRIO
“Marina Silva não impede a BR-319. Mas na dramaturgia eleitoral, pedir cautela é crime, seguir a lei é afronta, e vilão bom é vilão sob medida.”
⸻
O veto que virou vilão de conveniência
O objeto de ira? Um veto presidencial que, segundo a dramaturgia, impede a pavimentação da estrada. Só que não. O veto apenas bloqueia a farra da “manutenção sem licença” — uma emenda que, de tão ampla, serviria de carta branca para aplaudir desmatamento como se fosse obra pública.
O chamado “PL da depredação” não nasceu para salvar o Amazonas. Nasceu para poupar empreendimentos, em qualquer canto do país, de responder pelo impacto que causam. Mas no palco improvisado, é mais rentável pintar o veto como o “muro” que separa o Amazonas do resto do Brasil.

O VETO
“O veto à BR-319 não barra estrada. Barra a farra da manutenção sem licença — o ‘PL da depredação’. Mas no teatro político, é mais rentável criar um vilão.”
⸻
Marina Silva, a antagonista sob medida
E porque toda boa peça precisa de um vilão carismático, escalaram Marina Silva. Ela é acusada de “engabelar” o povo com novos estudos, como se avaliações técnicas fossem luxo dispensável. Nessa narrativa, pedir cautela é crime; seguir a lei, uma afronta.
Convenhamos: Marina não decidiu sozinha o destino da BR-319. Mas a lógica do bode expiatório é simples — e rende manchete. E nada mais útil, em ano pré-eleitoral, do que fabricar um antagonista que mobilize a base emocional do eleitorado.
O BODE EXPIATÓRIO
“Marina Silva não impede a BR-319. Mas na dramaturgia eleitoral, pedir cautela é crime, seguir a lei é afronta, e vilão bom é vilão sob medida.”
⸻
Diálogo de surdos com microfone aberto
O que se vê é um diálogo de surdos, mas com caixa de som ligada no talo. Senadores falam para suas plateias locais; ministérios falam para o Diário Oficial; e a imprensa repete o que ecoa mais alto, sem perguntar quem escreveu o script.
Enquanto isso, ninguém diz o óbvio: a BR-319 não será pavimentada com discursos inflamados nem com vetos derrubados a granel. Será com projeto sólido, estudo ambiental blindado contra ações judiciais e gestão territorial que evite que a estrada vire um corredor de desmatamento.
A VERDADE INCONFESSÁVEL
“A BR-319 será pavimentada com projeto sólido e gestão territorial, não com discursos inflamados. O resto é teatro — e o ingresso quem paga é você.”
⸻
O aplauso que custa caro
Mas é claro que isso exige paciência, e paciência não rende palanque. É mais fácil alimentar o mito da “estrada proibida” e colher aplausos rápidos. O problema é que o ingresso para esse espetáculo é pago com o tempo perdido e com a esperança de quem acredita que integração se constrói no grito.
A BR-319 pode, sim, ser recuperada. Mas o dia em que essa peça for substituída por planejamento e diálogo verdadeiro, talvez a plateia descubra que os atores eram, o tempo todo, sócios da mesma produção.
Fonte: Brasil Amazônia Agora