Código do PCC impõe 45 regras de conduta em áreas dominadas por facção
O Primeiro Comando da Capital (PCC) impõe a seus integrantes e a moradores das regiões que controla em São Paulo — majoritariamente periferias das cidades paulistas — um código de conduta que contém 45 regras. Quando elas são desrespeitadas, a facção criminosa realiza os chamados “tribunais do crime”, também conhecidos internamente como tabuleiros.
Entre os “artigos” que definem as regras de comportamento impostas nas “quebradas”, destacam-se os que proíbem envolver-se com mulheres comprometidas, usar drogas em locais proibidos, estuprar, usar o nome do PCC em vão, roubar a facção e mentir a seus líderes.
Como o Metrópoles mostrou em maio, as punições, que variam de espancamentos a morte, são decididas nos tabuleiros, que simulam julgamentos comuns do Judiciário brasileiro na justiça paralela criada pela facção que comanda a maior fatia do tráfico de drogas no país.
“É aplicada a cartilha de conduta a toda comunidade. Muitas vezes, a gente tem que ir lá e arrancar um sujeito no meio de um tribunal do crime, descoberto durante investigações”, afirma o promotor de Justiça Leonardo Romanelli, coordenador do Núcleo de Inteligência e Gestão de Conhecimento do Ministério Público de São Paulo (MPSP).
Ele explica que o MPSP identifica até três tribunais do crime por semana, o que revela a frequência com a qual o PCC julga integrantes e moradores acusados de descumprir alguma das regras do código de conduta.
“Todo mundo precisa obedecer à cartilha de conduta, não só o PCC. A facção cobra de toda a periferia, de toda a comunidade em que está presente. Por isso que matam, nos tribunais do crime, os estupradores. É um artigo da cartilha de conduta”, afirma Romanelli. Código do
“Mão na cumbuca”
Uma das ações punidas geralmente com espancamentos (assista abaixo) é roubar em locais proibidos pela facção. O “sentenciado” pode ter, inclusive, membros quebrados com o uso de pedaços de madeira.
O artigo 31 do código de conduta, chamado “mão na cumbuca”, prevê punição à pessoa que é suspeita de roubar dinheiro, drogas ou armas do PCC, considerado um dos crimes mais graves pela facção. A pena nesses casos é a morte, com requintes de crueldade e “assinaturas”, como furar os olhos do executado.
“Mau exemplo”
O PCC também pune membros que “não passam uma imagem nítida” da organização, como “quando se coloca como faccionado diante da massa, desrespeitando e agindo totalmente oposto ao que é pregado pela facção”. Em outras palavras, quem é do PCC não fica falando sobre isso para qualquer um e em qualquer lugar.
A punição para essa infração é a exclusão, ficando ao critério da “irmandade local” decidir uma sanção adicional ao integrante expulso.
Drogas proibidas
O PCC é um dos maiores fornecedores de drogas no Brasil e tem forte atuação no exterior. Apesar disso, a facção controla o consumo de entorpecentes e proíbe o uso de alguns tipos de substâncias.
Abusar de álcool e de drogas, permitidas pela organização, é considerado “um mau exemplo”, porque a pessoa “fica paranoica, agressiva, e até mesmo tendo que ser medicada devido ao abuso.”
A punição nesses casos é afastamento de 90 dias, desde que o “acusado” se comprometa a mudar.
Já o consumo de crack e óxi (obtido da mistura da pasta base de cocaína com querosene, gasolina, cal virgem ou solvente) é expressamente proibido, podendo gerar exclusão sem retorno.
O PCC também veta o uso das chamadas drogas K, que causam o “efeito zumbi“, perto dos pontos de venda da substância, incluindo na Cracolândia, no centro da capital paulista.
Cultura do medo
“As pessoas não têm noção das barbaridades que eles cometem. Eles têm um número de pessoas para matar”, afirma o promotor Leonardo Romanelli.
A cota de mortes existe, segundo Romanelli, para que seja mantida a submissão da população às regras da facção, criando uma cultura de medo. Sempre haverá alguém que irá descumprir alguma regra, por causa do vasto número de “artigos do crime”, que são interpretados da forma que os líderes da facção julgam conveniente.
Membros chamados de padrinhos, pelo fato de indicarem integrantes para o PCC, também podem ser responsabilizados por condutas erradas cometidas por seus “afilhados”. As punições nesses casos dependem da gravidade do desvio e de quem irá julgá-lo.
“Tribunais do crime”
O que é chamado de “tribunal do crime” foi instituído no início dos anos 2000 por Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder máximo do PCC, quando ele criou o setor de “disciplinas” dentro da facção.
Os indivíduos nessa posição são responsáveis por garantir o cumprimento das regras da organização, podendo aplicar punições caso as “normas” sejam descumpridas. Para isso, porém, é necessário um julgamento cuja sentença é dada por criminosos do alto escalão da facção.
Investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP, mostram que Marcola descentralizou as ações financeiras do PCC, dividindo-as em células, ligadas a outras maiores, que chegam a um núcleo central.
A figura da disciplina nasceu para servir como uma espécie de “corregedor” das ações financeiras do PCC. Com o tempo, ele passou a julgar qualquer demanda apresentada, em um sistema de justiça marginal, pautado nos preceitos do PCC.
Foto: Reprodução
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