Marcelo, 50, amazonense, pai de família exemplar, morador do conjunto Hileia II, era um daqueles homens fiéis: em 40 anos de casamento nunca tinha “olhado para outra mulher”, fiel até no trabalho: há 25 anos trabalhava na mesma repartição pública, enfim, um varão valoroso, que odiava a mentira, como dizia sua colega de trabalho, irmã Dulce, uma crente pentecostal daquelas das antigas, daquelas que usam cocó.
Tinha voltado há pouco tempo de férias, férias não curtidas em Manacapuru, já que havia pegado uma malária e perdido uns quilhinhos, aliás quilões, pois estava magro, com as calças dançando no corpo. Naquele fim de tarde de sexta-feira ele, como sempre fazia, era o último a sair.
Trancou tudo, tirou tudo das tomadas e foi lavar as mãos para ir embora. Ao passar sabão nas mãos ele, pela magreza extrema que tinha adquirido, só percebeu tarde demais quando a aliança de casamento escorreu do seu dedo, caiu na pia e foi embora pelo ralo.
Pronto! O drama começou. “O que que eu vou dizer quando chegar em casa?”, pensava ele. Mentir ele não podia, mas se contasse a verdade, a mulher, uma megera desconfiada no balde, jamais acreditaria. Essa desculpa de estar lavando as mãos e perder a aliança na pia era clássica, clichê, ninguém acredita mais…
Assim foi dirigindo sem achar uma solução. O carro entrou pelo conjunto Santos Dumont, passou pela encosta do Bairro da Paz e nada. Parou na frente de casa tonto, sem ter conseguido encontrar uma desculpa plausível. Abriu a porta e entrou. A mulher, como fazia sempre que ele chegava, segurou em suas mãos e olhou direto para o dedo anular esquerdo, só a marca funda e branca da aliança de casamento, antes apertada, isso antes da malária.
A pergunta clássica, com os olhos esbugalhados: “Cadê tua aliança???!!!”. Ele: senta aqui, vamos conversar. Sentam no sofá e ele começa: “Sabe, como é, eu sempre fui sincero, nunca te traí, até antes das férias, quando conheci uma jovem no restaurante. Nos conhecemos e aconteceu o impensável, começamos a ter um caso, ela não sabe que eu sou casado pois tiro todas as vezes minha aliança do dedo, guardo no bolso da calça e coloco um anel no lugar e hoje perdi, mas se você me der uma nova chance…”
Chororô generalizado, piripaque e o desfecho. Ela:” Você vai dormir no sofá! Nosso casamento acabou! Amanhã bem cedo você vai embora!”. Ele se deita no sofá e pensa “ah, se eu contasse a verdade ela não ia acreditar mesmo…”
De manhã bem cedo ele acorda, pega a mala que ela tinha arrumado na noite anterior, toma um pouco de café e se prepara para ir embora, quando ela aparece. “Espera”, diz ela, “vamos conversar…”
E começa: “Passei a noite sem dormir, pensando na nossa situação e resolvi o seguinte: você sempre foi um homem honesto, um bom marido, nunca me traiu, só deu essa escorregada em quarenta anos de casamento, então pensei bem e resolvi te dar uma nova chance…”
E completou: “Pelo menos tu foi honesto, teve coragem de me contar a verdade, não foste moleque e assumiu teu erro…E não veio com aquela velha história furada de que tu estava lavando a mão na pia, a aliança escorregou e foi embora no ralo…”.