O sonho de um governador visionário, que vagava pelas noites do Centro Histórico idealizando uma Paris dos Trópicos, deu uma nova identidade para Manaus. E o Largo de São Sebastião traduzia o sonho de Eduardo Ribeiro, mas os arredores lembravam uma Paris sem glamour, mais para a Paris do “Perfume”, romance de Patrick Susskind, que a Cidade Luz, de Je t’aime moi non plus, de Serge Gainsbourg.
A vida girava entre o bairro de Educandos, o Centro, o Bairro do Céu, Cachoeirinha, Glória e São Raimundo. Uma época em que o governo oferecia terrenos no Vieiralves, mas ninguém queria, por ser muito longe e haver índios por lá. Poucos iam para as imediações, atrás de tala de buriti para fazer papagaio de papel.
Um transporte reinava absoluto: as catraias. Os ônibus feitos de alumínio e madeira ainda demoraria alguns anos para chegar. Ainda hoje tem algumas, a maioria vendendo merenda paras os barcos. É uma embarcação pequena, mais uma canoa, geralmente com duas proas, bem resistente e que podia ser conduzida por uma só pessoa, usando dois remos, como nos caiaques.
Para dar ligeira proteção do solzão amazônico, havia uma cobertura feita de tecido, sustentada por mastros de madeira. Bancos laterais acolhiam os passageiros, que não dispunham de qualquer outra proteção, como os hoje conhecidos salva-vidas. Enfim, a curta viagem levava o passageiro de um lado ao outro do igarapé.
Cenário de filme
Da Rua dos Andradas ao Educandos. Da Fábrica de Cerveja ao São Raimundo, indo e vindo. De lá pra cá, daqui pra lá. Rio cheio percurso maior. Bancos dos lados, com toldo nos dias de sol.
Bem enfeitadas para a procissão de São Pedro eram as preferidas, antes da ponte “Presidente Dutra” mostrar o caminho da, então, estrada de São Raimundo. Quando a Baixa da Égua era a linha divisória entre o bairro e a estrada de Educandos. Sem os ônibus fazendo a concorrência. Quase a única ligação com a cidade, tinha, assim, freguesia certa.
Eram procuradas, principalmente, nas horas de refeição ou quando havia arraial nos bairros. Indo pro meio do rio isolando tudo. Nas ocasiões em que um visitante saía do sério ou precisava correr. Principalmente nos campos de futebol quando o time local perdia. Muitos passageiros, ninguém ficava em pé, todo mundo sentadinho, pra dar lugar.
Tiro de misericórdia
No entanto, o bairro de Educandos que já se ligava ao da Cachoeirinha pelas pontes Efigênio Sales e Juscelino Kubistchek, exigia mais. Queria se ligar diretamente ao centro da cidade por mais uma ponte.
Veio então a ponte denominada Padre Antônio Plácido, falecido vigário daquela do bairro, da paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A ponte foi inaugurada em 1975 e, logo, as catraias e catraieiros foram, paulatinamente, desaparecendo, deixando só saudade nas lembranças de quem viveu essa época.