Era uma noite fria, com um vento suave sussurrando entre as paredes da Vila Olímpica de Santo Antônio, um bairro situado entre os bairros da Glória, São Raimundo e Compensa, em Manaus. Carlos Renê caminhava pelas ruas vazias, os candeeiros lançavam uma luz fraca que mal conseguia atravessar o nevoeiro denso que o rodeava, mas ele lembrou que em Manaus não existem nevoeiros nem na rua Presidente Kennedy, para onde ele ia havia candeeiros. Não se lembrava de como tinha chegado lá, mas também não se importava muito. As noites tinham sido o seu refúgio ultimamente, o único momento em que podia estar em paz.
Antes costumava ser diferente. Houve um tempo em que ele tinha uma vida cheia de risos, uma família que amava e amigos que o acompanhavam nos bons e maus momentos. Mas tudo isso parecia distante agora, como se pertencesse a outra existência. As ruas que outrora conhecia bem agora lhe pareciam estranhamente alheias, distorcidas por uma sensação indefinível de desenraizamento.
Sempre que passava perto da sua antiga casa, algo o empurrava a continuar a andar. Tinha parado de tentar entrar há muito tempo. Sempre que o fazia, algo não estava bem: a porta não cedia sob a sua mão, e quando olhava pelas janelas, via sombras que não conseguia identificar.
Um dia, impulsionado por uma necessidade urgente de respostas, decidiu aproximar-se da casa. Desta vez, ele encontrou a porta aberta. Dentro, Fátima, sua esposa estava sentada na sala de estar, com o rosto pálido e magro, rodeada de fotos dele, velas acesas e flores murchas.
Queria falar com ela, mas a voz morreu na garganta. Então ele tentou se aproximar dela, mas seus passos não estavam fazendo barulho nenhum. A sensação de estranho cresceu até se tornar quase insuportável. Ele observou sua esposa chorando, sussurrando seu nome com uma tristeza tão profunda que ele sentiu como se sua alma estivesse rasgada.
Por que não o via? Aproximou-se mais, estendendo a mão até ela, mas quando seus dedos tocaram seu ombro, sua mão simplesmente passou pela sua pele. Foi nesse momento que ele compreendeu, e o peso da verdade o esmagou com uma melancolia devastadora. Ele não estava mais vivo.
Tinha morrido há muito tempo, com um tumor no cérebro, na Beneficente Portuguesa, um coma do qual nunca mais acordou. As memórias começaram a inundá-lo: a luz ofuscante, os médicos ao seu redor. E depois a escuridão. Desde então, ele vagou sem rumo, acreditando que ainda fazia parte desse mundo, que já não lhe pertencia.
Lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto, embora ninguém as pudesse ver. Renê ajoelhou-se na frente da esposa, sussurrando palavras que sabia que ela nunca ouviria. Todo esse tempo ele estava sozinho, preso entre dois mundos, agarrado a uma vida que já não existia.
Enquanto o amanhecer começava a tingir o céu de cinza, Renê percebeu que não podia continuar assim. Não havia paz em ser um eco do que um dia foi. Com o coração partido e a tristeza envolvendo o seu ser, decidiu despedir-se. Levantou-se pela última vez e, com um último olhar para a vida que deixou para trás, caminhou para a luz que agora o chamava.
E assim, Renê desvaneceu, deixando para trás o suave sussurro do vento e uma sensação de melancolia que, por um instante, fez sua esposa levantar a cabeça, como se pudesse sentir sua presença… nem que tenha sido por um breve momento.