Eu nasci no Tarumã mas me criei em Educandos, a Cidade Alta, tomando banho e jogando queimada na praia do Amarelinho. Cresci ajudando meu pai a juntar xepa de verdura na Manaus Moderna, para fazer umas sacolinhas e vender nas casas.
Como tinha, na época, dezoito anos, minha parte do dinheiro gastava no Vagalume ou no Natureza, passando horas com as “primas”, nos quartinhos da Itamaracá. Meu nome é Osvaldo, mas me chamam de Valdo e isso aconteceu em 1988. Minha história começa quando começou a atracar um barco estranho, todo preto e aparentemente sem ninguém, no igarapé do Educandos. Só saía um homem de lá, que ia comprar alguma coisa nos armazéns e de manhã já tinha deixado o porto.
Um sábado fui no Vagalume e ao som de Odair José e Baltazar quase desmaiei quando vi entrarem as duas mulheres mais lindas do mundo. Naquele lugar nunca aparecia mulheres assim, geralmente eram velhas em final de carreira ou novinhas, mas que já tinham seus “cachos” certos e não saíam com qualquer um.
As duas, altas, ambas de vestido preto e olhos profundos mais acentuados por causa do rímel, olharam para mim e foram direto para minha mesa. Sentaram e perguntaram se podiam beber comigo e assim a noite foi passando. Convidei uma delas para subir comigo para o quarto mas ela respondeu que só iria se a outra fosse. Não acreditei que ia faturar as duas de uma vez e pelo preço de uma. Disse que iria ao banheiro rapidamente e já voltaria. Quando voltei elas disseram para a gente terminar a cerveja e foi aí que a casa caiu pra mim. Na ânsia, dei uma talagada de responsa para secar logo a garrafa e é só o que me lembro.
Acordei dentro de uma embarcação e vi que estávamos passando pela Ilha do Marapatá. Quis chamar por alguém mas não tive forças pois estava muito tonto pelo efeito do Roupinol. Foi aí que eu tive a sensação de já ter sentido aquele cheiro de repolho podre antes: o mesmo cheiro que exalava do barco estranho, que “empestava” todo o ar, quando ele chegava perto da casa do Erasmo Amazonas.
Desmaiei de novo e quando acordei o barco já tinha encostado. Recuperado, me levantei e saí. Olhei para o relógio e vi que eram 11 horas da manhã, mas o vento quente do lugar, o fumaceiro e os raios no céu cor de chumbo empatavam minha visão e pensei: estou na cozinha do inferno.
Minha provação estava apenas começando. Como no filme do Constantine, vi umas criaturas se aproximando de mim. Eram as duas, só que com as aparências totalmente diferente. Seus rostos agora eram escamosos e seus olhos grandes. A cor da pele delas era esverdeada, parecendo salamandra ou serpente. Sem dizer nada, tiraram minha roupa e uma delas começou a fazer sexo oral em mim, mas como é que levantava? Foi quando eu senti a mordida. Dei um grito e vi metade do meu pênis na boca dela. Desmaiei de tanta dor. Acordei todo ensanguentado e vi que faltava uma perna minha e a outra estava parcialmente devorada.
Por ter perdido muito sangue, desmaiei de novo e acordei quase em transe vendo alguém me carregar e levar para o barco. Reconheci o mesmo homem que ia nos armazéns fazer compras. Desmaiei de novo e quando acordei estava jogado na cabeça da ponte. Algumas pessoas chamaram minha família e me levaram para o Pronto Socorro, onde cortaram minha outra perna que estava gangrenando.
A polícia investigou e foi lá no Vagalume. Como eu era frequentador assíduo, lembraram do ocorrido, mas disseram que eu havia bebido demais e falava sozinho com duas pessoas, como se estivessem na minha frente e só eu visse. O barco estranho parou de ir em Educandos e é lógico que ninguém acreditou na minha história. Os moradores da área disseram que nunca viram tal barco e tudo não passava de coisa criada pela minha imaginação. Hoje vivo em uma cadeira de rodas, recebendo BPC do governo, mas sei que, por um motivo que não tenho como explicar, sei que fui no inferno.
Valdo do Educandos