* Por Charles Bronson
Atualizações de última hora, direto do Parlamento dos Trogloditas, na capital dos calangos. BSB-DF.
É com alegria cívica e espírito republicano que informamos: o Sacrossanto Senado decidiu, em ato de nobreza suprema, proteger a moral da nação. E como? Proibindo que influencers, jogadores de futebol e afins apareçam em propaganda de sites de apostas.

Parabéns, senadores! Bravo! Clap clap!
A medida, segundo nossos ilustres representantes, é fundamental para “preservar os valores das famílias brasileiras”, “evitar o estímulo ao vício” e “desassociar figuras públicas de um mercado que, vejam bem, embora legalizado, é perigoso”. Perigoso mesmo, Excelências.
Mas não pela selfie do Richarlison com um QR Code do BetTaperinha. O perigo está, justamente, onde ninguém do Senado ousa tocar: nas entranhas podres do sistema que legalizou o jogo sem sequer erguer uma cerca em volta do abismo.

As casas “sérias” da jogatina digital
As plataformas de apostas, que se apresentam como “empresas sérias, responsáveis, comprometidas com o entretenimento e com a diversão do cidadão brasileiro”, talvez precisem de uma auditoria — mas não apenas fiscal: de integridade, de decência e, quem sabe, de humanidade.
– Folhas policiais de vários países mostram o que muita gente finge não ver: lavagem de dinheiro, fraudes em resultados, manipulação de odds, evasão fiscal, associação com grupos criminosos, e um rastro de destruição pessoal nas comunidades mais pobres.
– Sites que dizem oferecer “sonhos” são, na verdade, cassinos disfarçados de aplicativos, instalados com um clique por qualquer adolescente com Wi-Fi.
– Em bairros da Cidade dos Malucos, já se contam histórias de jovens endividados, famílias despedaçadas, assaltos por dívidas de apostas, e até suicídios de apostadores compulsivos — enquanto os donos dessas plataformas brindam em rooftops de Dubai.

O vício silencioso que o Senado não quer ouvir
A jogatina digital não fede a cachaça nem fuma como crack. Ela chega de mansinho, com notificações e bônus de boas-vindas, dizendo “aposte sem risco”, “dinheiro fácil”, “jogue agora e mude sua vida”.
O vício, silencioso e sorridente, não tem cheiro nem cor, mas tem método: prende o usuário, sugere vitória, oferece esperança, e depois devora em silêncio a conta bancária, o sono, o juízo e a dignidade. Mas ao invés de criar políticas públicas sérias para enfrentamento do vício, educação digital, fiscalização transparente e repressão aos abusos — o Senado preferiu a cortina de fumaça: culpar o influenciador.

Que Senado piedoso!
Sim, há de se louvar o Sacrossanto Senado, tão zeloso, tão ético, tão… distraído com o essencial. Enquanto proíbem o garoto-propaganda, seguem:
– Tributando o vício, como se fosse cigarro gourmet;
– Fechando os olhos para a falta de regulação das plataformas internacionais;
– Ignorando o impacto socioeconômico nas periferias, onde o vício se alastra como nova pandemia invisível.
Moral da história
Enquanto isso, a hipocrisia rola solta como os dados digitais de um cassino virtual. O sistema que legalizou a armadilha agora se finge escandalizado com quem sorri ao lado dela. Mas não se enganem: o monstro não é o influencer, é o mercado inteiro. E se tem algo que deveria ser proibido nesse país, não é a propaganda — é o cinismo institucional travestido de preocupação com o povo.
* O autor é presidente da ASOBACU – Sociedade dos Observadores de Banzeiro do Curari; anarquista e cientista político.