Tudo começou em 1979, com o filme Warriors (no Brasil, Selvagens da Noite), que retratava as gangues que infestavam os EUA e digladiavam-se entre si. Em São Paulo o filme foi proibido depois da primeira exibição: jovens, presentes na sala de exibição, quebraram todas as cadeiras do cinema, motivados pelo filme.
Em Manaus não foi diferente. Na Zona Leste, principalmente, formaram-se gangues de jovens que, armados de terçados, demarcavam território e cobravam pedágios. Não assaltavam. A diversão era matar os rivais de outras galeras, o nome adotado em Manaus para esses grupos, Muitos dos quais até com 100 membros.
Donos da noite
As duas mais célebres e rivais entre si eram a “Anjos Malditos” e a “Selvagem”, esta última comandada por um moleque de uns 17 anos, que tinha tatuado em todo o queixo em forma de barba, a palavra Selvagem, o líder da galera.
Quando as duas se encontravam pelas ruas da Zona Leste, o “rabecão” do IML ia e vinha, quase a noite toda. Esses grupos, além de delimitar territórios, foram responsáveis por 42 dos 562 homicídios registrados em 2000 na cidade.
Levantamento preliminar do Conselho Tutelar da Zona Leste de Manaus apontou que, pelo menos, 5.800 adolescentes integravam as galeras. Há na cidade 24 mil jovens entre 16 e 18 anos. Para a Secretaria da Segurança Pública, eram apenas 700 identificados.
Força-Tarefa
A intensificação da ação das galeras, que começaram a se formar, levou a secretaria a implantar a Operação Antigalera, consistindo em deter os garotos por até oito horas na Delegacia Especializada de Apoio e Proteção à Criança e ao Adolescente. Os meninos só eram liberados na presença de responsáveis.
Multidão de detidos
Em dois fins-de-semana, a PM prendeu 451 adolescentes na zona Leste da cidade. O Conselho Tutelar enxergou abuso no método.
As galeras eram integradas principalmente por meninos entre 10 e 18 anos, nas regiões Leste, Oeste e Norte, além de favelas. A partir das 23h, havia um toque de recolher e para um morador chegar a sua casa de madrugada, só com pedágios de, em média, R$ 1,00.
Quem participava da galera era chamado de “galeroso”. O comportamento era tribal e as brigas eram parte importante da identidade dos grupos. Nos combates à “galerosos” rivais, a principal arma era terçados e uma espécie de escopeta caseira, feita de pedaços de ferro e que usava cartuchos de espingarda. O terçado (facão), canivete, punhal, gargalo de garrafa de cerveja e pedaços de pau também eram usados nos confrontos.
À época, a delegada Maria das Graças da Silva encontrou com um garoto uma pistola alemã, uma Luger, “mas a arma que eles mais usam e matam é a escopeta caseira”, disse, ele.
Guerreiros da Esquina
Em certa noite, a A.T.O., 18, fazia sua vigília no bairro Mutirão (zona Leste). Vaca, como é conhecido, atesta a violência: “”O inimigo que passa aqui é furado. Eu já furei uns cinco”.
Alguém morreu? “”Isso não me importa”, diz. Vaca pertencia à galera Guerreiros da Esquina, ou simplesmente GE. Participavam da gangue apenas 15 garotos. A fragmentação é outra constante nas galeras: em cada bairro há em média dez grupos, há ruas com até três bandos rivais.
Xerife Klinger Costa discordava
O secretário da Segurança, Klinger Costa, discordava da amplitude do fenômeno. “Galera só há na zona Leste e na Compensa. Esses conselheiros só sabem fazer estatísticas”, disse. O número de assassinatos ligados às galeras manteve-se estável de 99 (46) para 2000 (42), mas as tentativas de homicídio cresceram 90,2%, passando de 266 para 506, e levando à ação do governo.
Um dos casos mais brutais ligados a “galerosos” ocorreu em outubro do 1999, quando Antônio de Azevedo Oliveira, 17, foi degolado por um grupo de oito garotos. O crime aconteceu no bairro Novo Israel, na zona Norte. Só em dezembro de 1999, a Vara Infracional de Manaus abriu 82 processos contra menores. V.G.R, 13, conhecido como Diabinho e membro da galera Marica, foi detido, acusado de homicídio
Ele não negou ter matado J., 11. “Eu matei e tenho que pagar”, disse. O juiz da Vara Infracional, Antônio Celso Gióia, afirmou que as galeras se expandiram para outras cidades do Amazonas. O Conselho Tutelar de Manacapuru, a 80 km de Manaus, identificou 50 integrantes.
“É preciso uma imediata ação pública, integrada com a escola, a comunidade e a polícia para acabar com as galeras. Se existe a galera é porque os adolescentes não têm outra opção de vida”, afirmou, à época, Gióia.